Doce aniversário na Pedra do Sino

Meu aniversário estava chegando, e não pensei duas vezes quando o Ale perguntou o que eu queria de presente: fazer a travessia Petrópolis – Teresópolis, ou “montanhisticamente” falando, a travessia  Morro Açu-Pedra do Sino, no Parque Nacional da Serra dos Órgãos. Ia ser demais, três dias caminhando pelas montanhas, primeira vez acampando como insulino-dependente (muitas expectativas), e enfim conhecer a travessia que levo há quinze anos no imaginário, e de quebra, nem ia precisar tentar uma liberação do trabalho, ver minhas folgas, etc, pois era feriado papal, presente de aniversário do papa pra mim 😀

Mas o clima se esqueceu que eu ia comemorar meu aniversário e não contribuiu muito. Foi uma semana de inverno no Rio, com muita, muita chuva e frio: havia “nevado” em Curitiba naqueles dias, e o frio acabou respingando aqui…(só mesmo nevando em Curitiba pra fazer frio no Rio!). Tivemos que abortar a travessia, pois já não teríamos três dias. Aproveitamos para descansar um pouco e já injuriados com a quantidade de gente na cidade, resolvemos preparar as mochilas, com tudo o que tinhamos direito (menos equipamento de escalada, pois ia estar meio molhado) e ir para Teresópolis, ver se a chuva dava uma trégua por lá. Comemoramos meu aniversário com um show do Titãs na praça, no Festival de Inverno que estava tendo na cidade e muita cerveja artesanal.

No dia seguinte, o  céu azul timidamente apareceu, e resolvemos subir a Pedra do Sino. Não íamos ter os três dias para a travessia, mas uma noite a gente tinha… Com alguma garoa, chegamos no Parque Nacional da Serra dos Órgãos (acho que já deu pra perceber que somos meio apaixonados por esse lugar, né?), demos um pulo no Centro de Visitantes, para ver se tinham informações mais atualizadas sobre o clima. A moça disse que estava ótimo lá pra cima e para a gente beber água com Clorin, pois tinha chovido muito. Já estávamos prontos para subir, e a última coisa que íamos fazer era voltar à cidade apenas para comprar Clorin, ainda mais a gente, que já bebemos tantas águas por tantas montanhas…

Entrada da trilha
Entrada da trilha

O Parque estava vazio, coisa rara de se ver por lá. Começamos a trilha, e logo encontramos com três caras completamente encharcados: estavam terminando a travessia (foram no dia que havíamos planejado), o que logo me convenceu que havíamos tomado a decisão correta.

 

A trilha é bem tranquila, embora seja necessário um bom condicionamento físico, já que é uma subida constante. Levamos 4 horas até a Pedra do Sino, parando para tirar muitas fotos, da paisagem, dos passarinhos, das plantinhas, das sinalizações e contenções na trilha pensando nos estudos de caso como exemplos para nosso trabalho com visitação em parques, e claro, para medir a glicemia.

Tudo molhado, frio e fantasmagórico
Tudo molhado, frio e fantasmagórico

Quanto mais caminhada na subida, mais a glicemia desce. Quando eu percebia que diminuía o ritmo, sem ser para tirar fotos, ou começava a tropeçar no ar, era o momento para medir a glicemia. E assim fui me percebendo na trilha, já que essa caminhada para o Sino foi uma das primeiras vezes que fizemos uma trilha mais longa desde que me tornei insulino-dependente, e tinha menos traquejo no controle da glicemia durante a escalada e em trilhas do que tenho hoje em dia. Dessa forma, entre as fotinhos de passarinho e plantinhas (que não ficaram muito boas), das paisagens (lindas), tem muita foto minha medindo a glicemia.

Caminhando entre medições de glicemia...
Caminhando entre medições de glicemia…
... e flores!
… e flores!

 

 

 

 

 

 

 

 

Chegamos no abrigo da Pedra do Sino no final da tarde, e levamos um susto. Ainda não estamos acostumados com o fato, aqui no Rio, de sempre ter gente nas montanhas, e muitas vezes, muita gente. No abrigo da Pedra do Sino, com tempo ruim, devia ter umas 30 barracas, fora o pessoal que estava no abrigo, e fora o pessoal que ainda ia chegar da trilha. Conseguimos encontrar um cantinho para armar nossa barraca e fazer nossa comidinha, entre todas as barracas e o frio congelante que estava fazendo. 

Diabéticos não deveriam sentir frio... mostrar a barriguinha pra insulina em um clima semelhante ao congelador não tem graça.
Diabéticos não deveriam sentir frio… mostrar a barriguinha pra insulina em um clima semelhante ao congelador não tem graça.

Fizemos um delicioso arroz com lentilha e funghi seco (sim, a gente passa muito bem na montanha!!) e diversos (quatro) chocolates bis de sobremesa e tomei apenas 1 unidade de insulina, por conta da caminhada e da minha glicemia bem baixa o dia todo. Nos aconchegamos na nossa barraquinha, coloquei as insulinas e o glicosímetro dentro do meu saco de dormir, por conta do frio, e nos preparamos para acordar as 4h30 da matina para ver o nascer-do-sol no cume da Pedra do Sino.

Quando acordamos, medi minha glicemia, que estava bem baixa, quase com hipo, e logo tomei uma água de coco e comi uma barra de cereais. Escutamos alguém dizer que estava fazendo -4°C!! Coragem para sair do saco de dormir, arrumar uma mochilinha com o café da manhã e caminhar 15 minutos, com a lanterna de cabeça, até o cume.

No cume com 4 graus negativos, waiting for the sun
No cume com 4 graus negativos, waiting for the sun

Mesmo com todo  o sono e todo o frio, vale muito a pena subir uma montanha para ver o sol nascer, e no caso da Pedra do Sino, o espetáculo é a 2.275 metros de altitude, ponto culminante da Serra dos Órgãos. Fomos os primeiros a chegar no cume, e conseguimos ver a pontinha do sol surgindo. A maioria das pessoas chegou quando já estava claro. O mar de nuvens, denso, lindo, branco e fofo.

 

Teresópolis com os Três Picos ao fundo, durante o amanhecer
Teresópolis com os Três Picos ao fundo, durante o amanhecer
Lá vem ele nos saudar!
Lá vem ele nos saudar!

 

 

 

 

 

 

Fiquei com as pernas no saco de dormir, tomando um chá e me alimentando, com as insulinas e o glucosímetro dentro dos meus casacos, protegendo-os do frio congelante, enquanto o Ale tirava fotos alucinantes do nascer do sol. Quando já estava claro e um pouco menos frio, andamos ao redor do cume e por outras montanhas próximas, apreciando a paisagem e a vegetação dos campos de altitude.

Papudo com nuvens
Papudo com nuvens
Admirando tudo e mais um pouco.
Admirando tudo e mais um pouco.

 

Agora sim dá pra sair do saco de dormir e esticar as pernas novamente!
Agora sim dá pra sair do saco de dormir e esticar as pernas novamente!
hum... quem estava fazendo 33 anos mesmo?
hum… quem estava fazendo 33 anos mesmo?
U-A-U!!!!
U-A-U!!!!

 

 

 

 

 

 

 

Voltamos ao acampamento, arrumamos nossas coisas e nos preparamos para descer.  Levamos umas 3h30min, tirando fotos de passarinhos e plantinhas e paramos no mirante de Teresópolis, para um lanche e aproveitei para aplicar a insulina basal (dose de 5 unidades ao invés de 7, que costumo tomar).

Vai um sandubinha aí?
Vai um sandubinha aí?
e uma insulininha também aceita? (com Teresópolis ao fundo)
e uma insulininha também aceita? (com Teresópolis ao fundo)

 

 

 

 

 

 

O problema foi o dia seguinte… por conta da água, creio, acordei muito mal, vomitando muito, o que não é muito bom para uma pessoa que tem diabetes, já que temos que nos manter minimamente alimentados por conta da insulina que tomamos. Depois de vomitar umas quatro vezes :/ , resolvi telefonar para a minha médica, que me receitou um remédio que me salvou de não começar a vomitar meu estômago, fígado e o que resta do meu pâncreas. Bem que a moça do centro de visitantes falou pra colocar clorin na água, devido às chuvas dos dias anteriores… esses tapas que levo por acreditar que ainda sou  “a mesma” de antes, sem diabetes, “clorin pra quê”? … o Ale não passou nem um pouco mal.

Só por curiosidade, esse foi meu primeiro aniversário com insulina, mas não com diabetes. Ano passado, comemorei o aniver sem saber que era diabética. Fui diagnosticada um pouco depois do meu aniversário, um pouco depois também de escalar a via Mar de Caratuvas, no Pico Paraná, a maior montanha do sul do Brasil, mas essa é uma história para outro dia, do meu passado “era diabética e não sabia”.

Beijos e até o próximo pico!

Até a próxima!
Até a próxima!
  • Minha florzinha da serra! Beijos e beijos!

  • Ana Cecato

    Que lindas paisagens e que frio! Gali, acabo de te mandar um e-mail. Abraço.

  • Tereza Hezim

    Parabéns pelo aniversário, pelo relato e por compartilhar tanta beleza!
    Um bejo, Tereza Hezim

  • graça peixoto

    gali, que maravilha de aniversário! beijo, graça

  • Gali

    Obrigada! Viu que eu postei lá no Face sobre o pessoal no Everest? beijos

  • Gali

    Obrigada Tereza! beijos

  • Daniel Soler Huet

    Show !!!!
    Estou querendo fazer esta travessia a um tempo já!!!

    Grande Beijo !

    pH